29 de janeiro de 2008

NTTV – Tom Sawyer



Estes foram, sem dúvida, dos desenhos animados que mais marcaram a minha pacata infância. Tom Sawyer e Huck Finn formavam um cativante par de rebeldes que bem contrapunham a minha faceta calma e bem comportada. Adorava pensar que podia ter excitantes aventuras nas margens do Mississipi e que a belíssima Peggy lá estaria no fim para me beijar e para fazer corar as minhas bochechas, nesse fenómeno incontrolável e que ainda hoje gera momentos hilariantes ou, em alguns casos, embaraçosos.

“Sonharás que és um pirata
Sobre uma fragata
Sempre à frente de um bom grupo
De raparigas e rapazes
Tu andas sempre descalço
Tom Sawyer
Junto ao rio a passear
Tom Sawyer
Mil amigos deixarás
Aqui e além
Descobrir o mundo viver aventuras”

A música do Tom Sawyer é, ainda hoje, interruptor de uma mola que logo leva nostálgicos irremediáveis com idade para ter juízo a saltar por qualquer pista de dança improvisada, arriscando alguns – eu confesso que adoro – correr “à Tom Sawyer”, ou seja , todo inclinado para trás e com os joelhos e os pés a elevarem-se, numa complicada coreografia, até ao ponto mais alto possível. Não posso dizer que seja de execução fácil, será talvez o equivalente a um duplo emprachado nos exercícios de solo – muito bonito de ver mas complicado de executar.

28 de janeiro de 2008

Coisas do Estádio II

Gostei do aplauso que se ouviu, alguns energúmenos à parte, em Alvalade quando Quaresma saiu. Que no Porto tenham resolvido assobiá-lo, será problema deles, eu ainda me lembro bem de o ver jogar de verde e branco e sei que só não voltou à casa mãe porque não tínhamos dinheiro para isso. Como grande jogador que é só pode merecer aplausos. Ainda bem que a maioria do estádio assim o pensou. A ingratidão é um defeito muito desagradável.

Coisas do Estádio I

Ontem dei por mim a gritar “Helton, Helton”, de modo levemente cínico, tentando animar o guarda-redes do FCP depois do magnífico frango com que nos presenteou.

25 de janeiro de 2008

Tristezas

Quando dou por mim a olhar com alguma pena para os meus sobrinhos e a achar que a geração deles é uma seca e que no meu tempo é que nos divertíamos, fico com a certeza que o meu prazo está a passar a olhos vistos.

23 de janeiro de 2008

Suicídio

Heath Ledger morreu ontem no seu apartamento. Aparentemente terá sido suicídio. Sempre tive dificuldade em compreender o motivo porque alguém põe fim à vida – e a questão fundamental nem sequer é a religiosa. Que misto de extrema coragem e infame cobardia leva alguém a querer sair deste mundo? Heath Ledger era novo, bonito e bem sucedido. Talvez a seu suicídio ajude a questionar as vidas escondidas que pululam neste mundo de aparências, arrastando infelicidades miseráveis. Não que isto justifique o acto, o desesperado acto, o sempre insondável e incompreensível acto. Apenas chama a atenção para que, demasiadas vezes, quanto maior a normalidade aparente, maior o caos interior. Na compreensão deste caos estará decerto a resposta para este acto, para qualquer acto deste tipo, a dificuldade está em compreendermos o caos dos outros, quando nem sequer conseguimos perceber o nosso.

22 de janeiro de 2008

Pânico

Haverá poucas coisas tão humilhantes como ouvirmos, de copo na mão em algum sítio da noite, alguém chamar-nos “tio”. Problema assustador para quem tem sobrinhos que já votam. O pior é quando são elas a chamar de tio e tudo o que nós queremos é convidá-las para jantar. Tudo passa a ficar com um ar imoral que dez anos de diferença não deviam justificar.

A pérola de George

O dia de ontem será marcado pela surpreendente declaração de Francisco George, ao afirmar que as lareiras poderão vir a ser proibidas. O que virá a seguir? O controlo do sexo em excesso por ser factor de risco em doenças do coração?

21 de janeiro de 2008

Do vinho

A propósito de um divertido jantar de amigos, organizado com o propósito de fazer uma prova cega de vinhos tintos, não resisto a reproduzir aqui algumas notas de prova, misturadas com outras retiradas dos artigos “A verdade do vinho”, de António Mega Ferreira – ridicularizando as rebuscadas críticas de vinhos, publicado na NS de 12 de Janeiro –, e “Os vinhos mais interessantes do ano”, de Rui Falcão – publicado no OJE de 12 de Dezembro. O mais engraçado é perceber como os disparates ditos por amadores tanto se aproximam, e confundem, com a mais elaborada literatura vínica, novo estilo emergente entre os críticos de vinhos mais pretensiosos. Seria mesmo um exercício divertido tentar distinguir, entre toda esta adjectivação, aquela que foi por mim anotada, com enorme liberdade poética, aquando da minha prova, da que foi retirada dos artigos de Rui Falcão e Mega Ferreira.
Sobre os aromas podemos falar em “caça mortificada”, “caramelos Logroño”, “campos primaveris do Alentejo”, “morangos de Março”, “olaria”, “mesa de jogo sem cartas”, “palha seca”, “rédeas de cavalo”, “cinza de charuto”, “cardamomo, “Maltesers”, “talo de couve”, “iconografia do século XVII”, “couro limpo”, “selos de correio”, “granito morno”, “sacristia”, “túlipas roxas”, “armário de livros”, “fruta amanteigada”, “sargaço”, “móveis antigos”, “couro seco”, “petróleo”, “polainas húmidas”, “violetas”, “pólvora seca de 1940”, “chumbo”, “penas de faisão”, “cheesecake com compota de framboesas”, “geada de Outono”, “percebes”.
Acerca da cor ela pode ser de “framboesas vermelhas”, “sangue de cobra com mirtilo”, “rubi suave”, “sangue de galinha fresco”, “caneta de feltro Molin rosa em álcool”.
Quanto ao sabor do vinho, ele pode ser de “groselhas verdes”, “taninos secos”, “capilé”, “uva”, “planaltos floridos de Maio”, “frutal”, “manga”, “cerefólio”, “canela e tomate”, ou “áspero com corpo de ginasta rítmica russa”, “denso e impetuoso com marcas de revolução”, “com uma dimensão de veludo”, “com um coração de aço”, “que suaviza e humaniza o núcleo central de fruta madura”, “circunspecto”, ou, o meu preferido, “de enorme profundidade intelectual”.
A ironia de tudo isto é que se está a tornar o vinho como algo tão intelectualizado que qualquer dia é mais importante cuspir depois de bochechar do que realmente beber o vinho. Eu vou preferindo beber o próprio do vinho, sem deitar fora, de preferência de boa qualidade, sem faltas de quantidade e que nos consiga alegrar a alma. E de preferência que não cheire a “suor de cavalo”.

18 de janeiro de 2008

Do amor e do feitio



Nada como uma boa história de amor para nos deixar de bem com a vida. Isto a propósito de “The Quiet Man” – “O Homem Tranquilo”, de John Ford, que finalmente consegui ver esta semana, após anos de descuido cinéfilo. Neste excerto podemos ver duas das cenas mais marcantes do filme: um dos mais bonitos beijos da história do cinema, com John Wayne e Maureen O’Hara a esvoaçarem sem conseguirem resistir ao amor, e um pouco da cena final de pancadaria, das mais divertidas que me lembro de ver.
A visão de Maureen O’Hara a pastorear ovelhas num verde campo irlandês, com uma esvoaçante saia encarnada que explode num feérico Technicolor é de levar um homem a suicidar-se por amor a ela. A beleza desta mulher é tão indefinível como inultrapassável, conseguindo ao mesmo tempo ser inacessível e atractiva, terra-a-terra e aristocrática, doce e de péssimo feitio. Aliás, é mesmo o mau feitio desta personagem que a torna ainda mais desejável, mulher de têmpera e orgulho, de trato difícil. O bom feitio é algo agradável, importante para uma socialização tranquila e civilizada, mas nada como uma mulher impetuosa e complexa, de reacções inesperadas, para nos enlouquecer de facto e nos dar aquela, desculpem a expressão, pica necessária a qualquer relação. Gosto muito de gente branda e fácil, acho mesmo que resulta muito bem para a amizade, mas a paixão exige alguma tensão e para isto um certo mau feitio é necessário. Não é preciso ser um FDM (ver glossário), mas um bom excesso de personalidade já serve. Qualquer coisa que não nos deixe dormir sobre o amor. Que peça mais, que nos desperte mesmo que seja para gritar. Não pretendo defender o mau feitio como forma de estar, apesar da graça que pode ter, mas lá que uma mulher de mau feitio é outra coisa, lá isso é.

17 de janeiro de 2008

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Quando vejo a súbita histeria de alguns anti-tabagistas, rejubilando com a nova proibição e quase insultando os resistentes fumadores, logo me vem à cabeça a falta de sexo como uma boa justificação.

Mestre Cohen

O “Impensável” refere que Leonard Cohen irá começar uma tournée. Corri desde logo a procurar na net “onde” e quando”, obtendo uma indecisa resposta que fala de uma passagem pela Europa sem especificar datas e locais. Seria pedir muito que o mestre se dignasse visitar Lisboa, mas já não seria mau que passasse em Madrid ou Barcelona, que graças às novas companhias low-cost estão a um passo acessível de Portugal. Cohen é de outra geração que não a minha, de outro tempo, mas poucos músicos têm conseguido, como ele, chegar à imortalidade em vida, transformando-se em clássicos absolutos. A música de Cohen é intemporal, assim como é intemporal o extremo bom gosto. Por tudo isto, espero poder lá estar, onde quer que ele vá, a ouvir este homem que, quase com a idade da minha mãe, ainda se dá ao trabalho de percorrer o mundo para regozijo de quem gosta de o ouvir.

16 de janeiro de 2008

NTTV

Inicia hoje as suas emissões irregulares a NTTV (Nostalgia dos Trinta TV).
A abertura é marcada pelo genérico de Marco, a série de desenhos animados responsável por mais ataques de choro em crianças do meu tempo. Após os açoites, na altura permitidos, e as provocações dos irmãos, pouca coisa teria um efeito tão imediato de provocar tristeza profunda como esta história do órfão italiano. Talvez na altura já o meu temperamento fosse marcado pela melancolia, o que é certo é que eu adorava esta série e, talvez estranhamente, não chorava. Um psicanalista poderia ter aqui terreno fértil para trabalhar, não fosse o caso de eu nunca ter posto os pés num desses consultórios. Não por ter medo ou não acreditar na sua eficácia, apenas por saber que não tenho conta bancária que suporte dependências tão longas e caras.


15 de janeiro de 2008

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Passados os longos anos de consecutivas bebedeiras em honra de casamentos de amigos e nem por isso, chega agora a mais restrita saga dos baptizados. Por comparação com os primeiros, os baptizados teriam uma muito menor hipótese de encontrarmos a mulher dos nossos sonhos, pois já a deveríamos ter encontrado no casamento que antecedeu a criança. A menos, claro, que se trate de uma prima que nos tempos do casamento ainda fosse menor e, como é evidente, tenha sido desprezada pelos nossos olhos. Como continuo a achar que só encontrarei alguém que me ature se ela for mais nova, os baptizados começam a revestir-se, em aparente contradição, de muito mais interesse que alguns casamentos.

14 de janeiro de 2008

Modernices boas

A emancipação das mulheres de já pagarem os seus jantares. Ser cavalheiro é muito bonito, o problema é quando os zeros da conta bancária não conseguem acompanhar a boa educação.

De fumantes II

O resultado do jantar em local não fumador foi, apesar de tudo, razoável. Como previsto, a boa companhia ajudou a esquecer a repressão. Foram um pouco ridículas as saídas para a rua de copo na mão, mas a existência de uma zona coberta ao ar livre junto à entrada tornou a coisa menos penosa. A noite seguiu melhor, por espaços com dignas zonas para fumadores. Deve ser destacado o Lux, que à entrada distribui flyers explicando a nova lei e com plantas dos dois pisos mostrando as zonas de fumadores. O boicote aos restaurantes vai-se manter, com a certeza que em termos de bares e discotecas a liberdade está bastante mais assegurada

11 de janeiro de 2008

De fumantes

Terei hoje um teste sobre a minha resistência à nova lei anti-fumadores. Tinha resolvido, pelo menos nos primeiros tempos, não ir a restaurantes só para não fumadores, não só por a lei ser demasiado rígida, mas também por grande parte desses restaurantes não se dar ao trabalho de arranjar extracção de fumo adequada que permita criar zonas para fumadores, os mesmos fumadores que eram em muitos casos seus clientes de sempre. Acho que esses não me merecem como cliente e penso sistematicamente boicotar todos os restaurantes em que não possa fumar. O problema surge quando um alargado grupo de amigos, a maioria das quais casada e com filhos e com rara disponibilidade, ou possibilidade, de sair de casa para estar com os amigos, resolve marcar um jantar. Surge a excepção. Por isso irei, sob protesto, é certo, mas irei, pois vão sendo poucas as vezes em que consigo estar com alguns deles. Serão anedóticas, já que vários convivas fumam, as nossas vindas à porta de copo ou chávena de café na mão, mas lá terá de ser, lá me sujeitarei a ser cidadão reprimido em nome da amizade. A ver vamos como vai resultar.

10 de janeiro de 2008

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Os solteiros são brindados amiúde com bocas de que só falam de copos e de mulheres, provavelmente há gente que nunca se ouviu a dissertar sobre fraldas, biberons e empregadas.

9 de janeiro de 2008

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Atravessar os trinta pode ser uma penosa tarefa para concretizar sozinho, ainda assim, ao olhar em volta, vejo demasiados exemplos de que nada melhora por ter alguém ao lado.

8 de janeiro de 2008

Momentos de Terror

Todos temos os nossos medos e os nossos fantasmas. Tempos houve em que eram os lobisomens, depois os ladrões ou os comunistas. Um novo género surge quando passamos os trinta: as solteironas com o relógio biológico aos saltos. Qualquer conversa com estas criaturas pode revelar-se mais tenebrosa do que o “Shinning” quando visto pela primeira vez. Os olhares desesperados, acompanhados por momentos de alienação em que por certo já sonham com as flores de laranjeira e um vestido branco. Todo o relacionamento se torna mais perigoso do que passear à noite nas praias do Rio e qualquer deslize que nos leve com elas para um quarto pode proporcionar uma tentativa de violação por nós nunca assumida e, pior ainda, com uma criança que nunca quisemos a nascer em nove meses. Com o bebé nos braços algumas optam sensatamente por assumir a produção independente, mas outras há que tomam por objectivo de uma vida conseguirem que casemos com elas e estas, podem ser mais perigosas que o Dr. Hannibal Lecter, até mesmo na voragem canibal.

lost in translation

Sala cheia de grandes amigos. E de suas mulheres e maridos. E de suas crianças.
Adora crianças, mas em doses moderadas e, de preferência, com grau de proximidade que me permita dar-lhes alguma educação, leia-se raspanete e palmada no rabo. O excesso de gnomos com um ar muito giro e mente perversa é um barril de pólvora sempre pronto a explodir. O grave é que os pais, ao verem tanta gente em volta, optam por entrar em alienação e deixam as crianças entregues ás outras crianças ou a um outro pai mais responsável. O resultado pode ser mais caótico do que Bagdad após a intervenção norte-americana e é justo temer por todos os objectos quebráveis em nosso redor, para além de ser quase inevitável o aumento da poluição sonora, tolerado pelos mesmos que dizem já não ir a discotecas porque o som está sempre muito alto e não conseguem conversar. Claro que não reparam que estão a caminho de se tornarem surdos, pelo menos se continuarem a achar que os guinchos das crianças são, mais do que normais, essenciais ao adequado desenvolvimento das mesmas.

olá

Boas vindas a quem por aqui passar. Este blogue vai ser escrito e mantido por alguém que, com se pode ver na barra lateral, tem a idade de Cristo, é solteiro e heterosexual. Também é razoavelmente (qualificativo por certo tomado por escasso por alguns amigos) boémio e vagamente (tem dias) bêbado e fumador. O seu síndrome de solteiro está a refinar, algo a que não será alheio o seu proverbial mau feitio. A idade está a fazer do escriba um cozinheiro com resultados que, sem falsas modéstias, nunca imaginaria possíveis há uns anos atrás. Quem vos escreve é um português não apenas por nascimento, mas muito por teimar em gostar do seu país, apesar dos persistentes esforços em o destruir. Esse alguém sou eu, e prometo desde já não voltar a referir-me a mim próprio na terceira pessoa. Nem hoje, nem nos dias em que este blogue durar, sejam poucos, sejam muitos.